A gripe aviária é a única razão para o aumento do preço do ovo?
Até agora, o vírus que atingiu os EUA em 2022 infectou ou matou 162 milhões de aves, reduzindo o número de galinhas poedeiras
Saúde|Danielle Kaye e Julie Creswell, do The New York Times

As ligações, as mensagens de texto e os e-mails chegam antes das seis da manhã. São restaurantes, padarias e outros estabelecimentos, desesperados para encontrar ovos.
Brian Moscogiuri é um “corretor” de ovos. Vice-presidente da empresa atacadista Eggs Unlimited, a a maior parte do tempo ao telefone em seu escritório em Toms River, Nova Jersey, até tarde da noite, tentando conectar compradores esperançosos com fazendas que têm ovos de sobra.
A gripe aviária levou à escassez de ovos e os preços alcançaram recordes no atacado — uma média de US$ 8 a dúzia, bem acima de US$ 2,25, o preço de venda do outono ado no hemisfério norte. “Os compradores estão sofrendo com o preço do ovo — três ou quatro vezes o valor normal. Meu trabalho atual tem sido mais fornecer terapia do que fazer negócios”, disse Moscogiuri.
Os avicultores, especialmente os que possuem uma fazenda familiar menor, também estão tensos. Se uma de suas galinhas receber resultado positivo para o vírus H5N1, que causa a gripe aviária, seu rebanho inteiro terá de ser sacrificado para evitar a disseminação. “O fazendeiro pode acordar um dia e descobrir que seu negócio vai ser destruído”, resumiu Moscogiuri.
Essa escassez – que começou em 2022 – já tem, pelo menos, um vencedor: a Cal-Maine Foods, maior produtora de ovos do país, que controla cerca de um quinto desse mercado e que vende para o Walmart e outros grandes varejistas. A empresa relatou que sua receita saltou de US$ 523 milhões, em 2023, para US$ 954 milhões no trimestre encerrado no fim de novembro do ano ado — crescimento de 82%. “Esses números foram impulsionados principalmente por um acréscimo no preço médio líquido de venda de ovos com casca, bem como por um aumento no total de dúzias vendidas”, explicou a corporação.

O lucro líquido da empresa cresceu mais de 500%, atingindo US$ 218 milhões, em comparação com os níveis do ano anterior, graças aos preços mais altos, ao menor custo da ração e a aquisições de outras operadoras. E os preços dispararam ainda mais desde que a empresa divulgou seu balanço financeiro trimestral.
A indústria de produção de ovos se consolidou nas últimas três décadas. Desde 1989, a Cal-Maine já adquiriu mais de duas dúzias de empresas. Ela e quatro outras grandes produtoras controlam cerca de metade do mercado de ovos nos Estados Unidos. As outras são privadas e não divulgam suas finanças. A segunda maior, a Rose Acre Farms, tem 17 instalações em sete estados no Sul e no Centro-Oeste. Outro grande produtora, a Daybreak Foods, fornece ovos para o McDonald’s, e a Hillandale Farms vende em supermercados que têm o próprio nome e como uma marca própria. (Nenhuma dessas empresas respondeu a pedidos de entrevista.)
Até agora, a gripe aviária que atingiu os Estados Unidos em 2022 infectou ou matou 162 milhões de aves, reduzindo drasticamente o número de galinhas poedeiras. A Cal-Maine relatou ter enfrentado surtos em duas de suas fazendas nos últimos dois anos, o que resultou na perda de 2,6 milhões de frangos e galinhas jovens.
Mas, à medida que o consumidor encontra prateleiras vazias nos supermercados – e os preços disparam em alguns lugares para mais de US$ 10 por uma dúzia de ovos –, a concentração da produção avícola em poucas mãos levanta preocupações. E há razões para isso, como demonstra o que aconteceu no ado. Há dois anos, os maiores produtores foram considerados responsáveis por inflar os preços na década de 2000. Agora, alguns legisladores estão pedindo aos reguladores federais que investiguem essa indústria.
Em uma carta enviada ao presidente Donald Trump no mês ado, um grupo de legisladores democratas, liderado pela senadora Elizabeth Warren, de Massachusetts, afirmou: “Os produtores de ovos e os supermercados podem aproveitar o surto atual de gripe aviária como uma oportunidade para restringir ainda mais a oferta ou aumentar os preços dos ovos a fim de aumentar seus lucros.”

Pressão política
Desde que os efeitos da gripe aviária se refletiram no preço, o humilde ovo se tornou uma arma de combate político. Durante a campanha presidencial, Trump culpou o governo Biden pela inflação e prometeu reduzir os preços para o consumidor. Agora, os democratas viraram a mesa, perguntando por que o governo não está fazendo nada significativo para lidar com o preço do ovo, que continua subindo. “Donald Trump prometeu reduzir os preços dos alimentos no primeiro dia de seu mandato. As famílias trabalhadoras precisam de alívio imediato”, declarou Warren ao The New York Times.
Em 16 de fevereiro, Alvaro M. Bedoya, comissário democrata na Comissão Federal de Comércio (FTC, sigla em inglês), foi às redes sociais e pressionou Andrew Ferguson, o novo chefe da FTC de Trump, a “prestar atenção ao que está acontecendo nas prateleiras dos supermercados” e investigar as práticas da indústria de ovos. “Não sei o que está havendo na indústria de ovos, mas parece óbvio que deveríamos investigá-la para ver se há alguma conduta anticompetitiva que esteja prejudicando o consumidor”, disse Bedoya em uma entrevista.
Apelos semelhantes de grupos de defesa e legisladores foram feitos à FTC sob o governo Biden. Mas não se abriu uma investigação antitruste sobre os produtores de ovos. Segundo Bedoya, grande parte dos recursos da agência, na época, foi dedicada a outros esforços antitruste, incluindo uma investigação sobre o setor de supermercados. “A oportunidade agora se abriu”, afirmou ele, referindo-se à agência, já que seu maior caso antitruste, contra a fusão de duas grandes redes de supermercados, Kroger e Albertsons, se encerrou no ano ado com uma ordem judicial que impediu a fusão.
Os críticos também dizem que a indústria de ovos precisa receber um olhar mais atento. Em uma carta enviada em 12 de fevereiro à FTC e ao Departamento de Justiça, a Farm Action, grupo que se opõe aos monopólios corporativos em alimentos e na agricultura, pediu às agências que investigassem a potencial monopolização e a ação coordenada anticompetitiva dessa indústria. “Há fumaça ali, e isso sugere que pode haver um incêndio por baixo. Os incentivos estão lá, o poder está lá para restringir a oferta, e parece que precisamos que a FTC ou o Departamento de Justiça examinem e nos digam se esse poder está sendo usado”, declarou Basel Musharbash, advogado principal da Antimonopoly Counsel, empresa de direito e política antitruste, que liderou a pesquisa para a carta da Farm Action.
O grupo alega que as perdas com o abate de galinhas poedeiras foram “relativamente modestas” em relação ao tamanho do rebanho desses animais nos EUA. Enquanto isso, as margens de lucro dos produtores dispararam, de acordo com dados da Expana, que monitora os preços dos ovos. Cerca de 15% das galinhas poedeiras do país foram mortas nos últimos quatro meses, enquanto o preço do ovo no atacado no mesmo período aumentou 255%.

A dinâmica dos preços, no entanto, não é direta, observou Jada Thompson, professora associada de economia agrícola na Universidade do Arkansas: “Se 15% dos ovos estiverem fora do sistema, os preços devem subir 15%, certo? Mas, se eu for padeiro e tiver de fazer pão para minha padaria, preciso ter ovos de qualquer maneira, por isso vou dar um lance maior do que o seu para obter aqueles de que preciso.”
Segundo a indústria avícola, a gripe aviária foi devastadora para os fazendeiros que perderam animais para o vírus. Ao mesmo tempo, a demanda do consumidor por ovos aumentou ano após ano durante 23 meses consecutivos. “Essas duas forças combinadas – oferta restrita e demanda alta – são causadoras diretas do pico nos preços de atacado que vimos recentemente. A volatilidade que temos constatado nos preços dos ovos reflete muitos fatores, a maioria dos quais está fora do controle de um produtor avícola”, disse Emily Metz, presidente e CEO do American Egg Board, em uma declaração por e-mail.
Um porta-voz da FTC se recusou a comentar se a agência está considerando abrir uma investigação. E um porta-voz do Departamento de Justiça confirmou que a divisão antitruste recebeu a carta da Farm Action, embora tenha se recusado a fazer mais comentários.
Um processo de fixação de preços
A indústria de produção de ovos já enfrentou uma investigação sobre suas práticas de preços no ado. Em 2011, grandes empresas do setor alimentício, incluindo a Kraft e a General Mills, processaram os maiores produtores e grupos comerciais da indústria de ovos, alegando que haviam conspirado para reduzir a oferta de ovos a fim de aumentar o preço.
Entre os documentos citados na denúncia, havia um em especial, de 2001, remetido pelos principais operadores do negócio de ovos aos membros do grupo comercial United Egg Producers, que afirmava: “Deve haver um segmento central da indústria que esteja disposto a reduzir o fornecimento de ovos para conseguir preços mais lucrativos.”
De acordo com a queixa, naquele ano o grupo comercial pediu aos membros que adotassem uma redução de 5% do rebanho, estimando que a diminuição aumentaria os lucros dos produtores.
Outros esforços se seguiram, incluindo uma ordem para que todos os membros do United Egg Producers seguissem suas diretrizes. Mas, ainda segundo a reclamação apresentada, um operador agrícola dissidente argumentou que as diretrizes “poderiam ser vistas como um esforço intencional para reduzir a oferta e aumentar os preços”.
O processo de fixação de preços aberto em 2011 foi a julgamento. Em 2023, o júri concluiu que os produtores de ovos inflacionaram os preços ilegalmente. Os produtores foram, então, obrigados a pagar uma indenização de US$ 17,7 milhões, valor que, segundo a lei antitruste, foi triplicado para US$ 53 milhões. Os produtores de ovos ainda podem recorrer do veredito em algum momento deste ano, depois que as moções pós-julgamento forem resolvidas. Em um comunicado à imprensa em seguida ao veredito, a Cal-Maine divulgou que, decepcionada com a decisão, estava avaliando suas opções para entrar com uma apelação.
Nem a Cal-Maine nem a United Egg Producers responderam aos e-mails solicitando comentários.
Em 2020, a procuradora-geral Letitia James, de Nova York, acusou a Hillandale Farms de ter ludibriado os clientes com preços altos durante os primeiros meses da pandemia do coronavírus. O caso foi resolvido no ano seguinte, quando a empresa concordou em obedecer à lei contra o aumento de preços de Nova York e doar um milhão de ovos para os bancos de alimentos. Em 2020, o procurador-geral do Texas acusou também a Cal-Maine de aumentar os preços dos ovos em 300%. O caso ainda está aberto.
c. 2025 The New York Times Company