Brasil registra maior número de crianças e adolescentes em trabalho infantil desde 2017
Ministério atribui recorde em 2023 ao aumento de fiscalizações e inspeções; adolescentes de 15 a 17 são os mais afetados
Cidades|Edis Henrique Peres, do R7, em Brasília

O Brasil registrou no ano ado o maior número de crianças e adolescentes encontrados e retirados do trabalho infantil desde 2017. Ao todo, foram 2.564 crianças encontradas em 1.518 fiscalizações, segundo levantamento do R7 feito com base no Radar SIT ( de Informações Estatísticas da Inspeção do Trabalho no Brasil). Antes de 2023, o maior número dos últimos sete anos havia sido registrado em 2022, com 2.324 crianças e adolescentes resgatados.
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Segundo o Radar SIT, as vítimas identificadas em 2023 exerciam atividades que integram a chamada Lista TIP, que define as piores formas de trabalho infantil. A lista foi instituída a partir de um decreto presidencial publicado em 2008 que regulamentou a adesão do Brasil à Convenção 182 da OIT (Organização Internacional do Trabalho), que trata da proibição das piores formas de trabalho infantil e de ações imediatas para a eliminação da exploração infantil.

No ano ado, 618 crianças e adolescentes foram encontradas trabalhando ao ar livre, sem proteção adequada contra exposição à radiação solar, chuva ou frio.
Além disso, 530 estavam em ruas e outros logradouros públicos exercendo atividades como comércio ambulante, guardador de carros, guardas mirins, guias turísticos, transporte de pessoas ou animais, entre outros.
Também foram localizadas crianças e adolescentes nas seguintes condições:
- Trabalho com utilização de instrumentos ou ferramentas perfuro-cortantes, sem proteção adequada capaz de controlar o risco
- Trabalho de manutenção, limpeza, lavagem ou lubrificação de veículos, tratores, motores, componentes, máquinas ou equipamentos
- Trabalho com levantamento, transporte, carga ou descarga manual de pesos
- Trabalhos com exposição a abusos físicos, psicológicos ou sexuais
- Serviços domésticos
- Em estábulos, cavalariças, currais, estrebarias ou pocilgas, sem condições adequadas de higienização
- Trabalho de direção, operação, de veículos, máquinas ou equipamentos, quando motorizados e em movimento (máquinas de laminação, forja e de corte de metais, máquinas de padaria, como misturadores e cilindros de massa, máquinas de fatiar, máquinas em trabalhos com madeira, serras circulares)
- Em serviços externos, que impliquem em manuseio e porte de valores que coloquem em risco a sua segurança (Office-boys, mensageiros, contínuos)
- Em serviços de cuidado e vigilância de crianças, de pessoas idosas ou doentes
- Construção civil e pesada, incluindo restauração, reforma e demolição
Maior fiscalização
Na avaliação do coordenador Nacional de Fiscalização do Trabalho Infantil do Ministério do Trabalho e Emprego, Roberto Padilha Guimarães, o aumento do número de menores de 18 anos de idade encontrados e afastados do trabalho infantil em 2023 é resultado de um conjunto de iniciativas para aprimorar o combate a esse tipo de situação.
“Estas iniciativas são constituídas de medidas como a nova estrutura da Coordenação Nacional de Fiscalização do Trabalho Infantil, projetos de capacitação de auditores-fiscais do trabalho no combate ao trabalho infantil, desenvolvimento de metodologias para a atuação da inspeção em face dos diferentes tipos de trabalho infantil, desenvolvimento de ferramentas para o aprimoramento do planejamento para as ações de combate ao trabalho infantil, entre outras”, explica.
Após as fiscalizações, as crianças e adolescentes são encaminhadas para rede de proteção (Conselho Tutelar, Assistência Social e Ministério Público) para a adoção de medidas protetivas e inclusão em políticas públicas de proteção social e na escola. No que se refere aos adolescentes com idade a partir de 14 anos, há também a articulação para inclusão na aprendizagem profissional
Guimarães destaca, também, o fortalecimento do Grupo Especial Móvel de Combate ao Trabalho Infantil. “Em agosto, por exemplo, o Grupo Móvel realizou a maior operação da história, ao identificar em situação de trabalho infantil em Pernambuco 301 crianças e adolescentes”, diz.
O auditor-fiscal cita, ainda, que no ano ado foi feita a primeira operação em escala nacional de combate ao trabalho infantil doméstico, com a identificação de 112 adolescentes nessa condição. Segundo ele, a expectativa é que o Ministério do Trabalho e Emprego aumente as ações de combate ao trabalho infantil com o chamamento de novos auditores-fiscais do trabalho aprovados no “Enem dos Concursos”.
Desafios para a punição
O advogado especialista em direito penal Tiago Oliveira diz que há desafios na hora de punir quem emprega mão de obra infantil.
“Apesar de a legislação brasileira proibir o trabalho infantil e estabelecer diversas normas para sua proteção, a punição específica para quem emprega mão de obra infantil ainda é uma lacuna na legislação penal. Embora o ECA, a Consolidação das Leis do Trabalho e a Constituição Federal proíbam o trabalho infantil, o Código Penal brasileiro não tipifica o crime de trabalho infantil como tal. Existem projetos de lei em tramitação no Congresso Nacional visando a inclusão desse crime no Código Penal, mas até o momento nenhuma alteração foi efetivada”, comenta.
O especialista explica que a exploração do trabalho infantil pode ser enquadrada no crime de redução à condição análoga à de escravo, previsto no Código Penal. “Nesse caso, a pena pode chegar a oito anos de prisão e multa, com aumento de pena se a vítima for criança ou adolescente”, frisa.
O trabalho infantil é um problema complexo que exige ações coordenadas de diversos atores sociais, como governo, empresas, sociedade civil e família. A punição dos infratores é apenas uma das medidas necessárias para erradicar esse crime. É fundamental investir em políticas públicas que promovam o o à educação, à saúde e a oportunidades de trabalho decente para os jovens, garantindo assim seus direitos e um futuro mais justo
Consequências do trabalho infantil
O trabalho infantil pode trazer graves prejuízos para o desenvolvimento físico, psíquico, moral, social e para a saúde da criança e do adolescente.
Essa condição pode expor a criança e o adolescente à violência, ao assédio sexual, a esforços físicos intensos, a intoxicações e a acidentes de trabalho.
Além disso, o trabalho infantil prejudica os estudos e contribui para a evasão escolar. A falta de estudo dificulta a formação profissional e a obtenção de trabalho com uma remuneração digna na vida adulta.
Como denunciar
- Disque Direitos Humanos - Disque 100; ou
- e o canal da Auditoria Fiscal do Trabalho (veja aqui).